Reflexões sobre a Luta Antimanicomial e Reforma Psiquiátrica e seus impactos na Saúde LGBTQ+

11 maio, 2022


No mês de maio é celebrado no dia 18 o “Dia da Luta Antimanicomial”. Por conta de um post muito necessário do @cafecoletivopsi intitulado “O Movimento LGBTQ+ e o Manicômio” tive inspiração para poder escrever também a respeito de “Reflexões sobre a Luta Antimanicomial e Reforma Psiquiátrica e seus impactos na Saúde LGBTQ+”. Não esqueçam de também conferir o post na página deles.

Na década de 70 houve alguns dos primeiros movimentos que começaram a dar ar para uma assistência psiquiátrica no Brasil por meio de profissionais recém-formados. O cenário em saúde mental era(é) de descaso e violência (AMARANTE; NUNES, 2018).

O cenário caótico brasileiro era de luta por um processo de redemocratização e contra a ditadura. O contexto social e cultural, além de econômicos e políticos, vivenciavam então momentos de tensão para uma tentativa de transformação. Com isso, é preciso entender que sem os movimentos sociais e culturais a Reforma Psiquiátrica provavelmente teria outra cara. Talvez nem tivesse existido naquele momento. Em suma, não há mudança sem participação social.

Dentre muitos objetivos, podemos salientar que o Movimento de Luta Antimanicomial buscava uma desinstitucionalização de sujeitos com sofrimento psíquico que eram encarcerados e violentados em Hospitais Psiquiátricos, Manicômios e Hospícios. O relato feito por Daniela Arbex em seu livro “Holocausto Brasileiro” conta e mostra um pouco das terríveis cenas e situações que as pessoas passavam.

Com os movimentos, a loucura passa então para o início de um processo de ressignificação, onde não deixa de ser estigmatizada, mas começa a ser entendida como cabível dentro da sociedade. Psicólogos, Psiquiatras e outros profissionais engajados em saúde mental, ainda são vistos como último recurso para se buscar diante de um mal-estar psíquico, e os que vão precisam ter o diagnóstico psicossocial de “louco”. Com esse processo a loucura começa a ser pensada para além de dispositivos clínicos e terapêuticos, e ganha espaço para ser pensada em dispositivos sociais, culturais e políticos (AMARANTE; NUNES, 2018).

Quando pensamos em toda história da Reforma Psiquiátrica, do Movimento de Luta Antimanicomial e das novas configurações da loucura, podemos refletir também sobre Saúde LGBTQ+. As sexualidades destoantes da norma cis-heterossexual eram tidas como não-identidades, e até hoje ainda vemos profissionais e cidadãos buscando oprimir a visibilidade LGBTQ+. Muito se ouve falar sobre “Cura Gay”, um tipo de “terapia” convertiva que busca colocar sujeitos de sexualidades e identidades de gênero diferentes, na norma.

Ao longo de toda a história sujeitos LGBTQ+ foram e tentam ser varridos da sociedade, colocados à margem, fora do que está sobre os olhos. Afinal, já ouvimos aquela expressão: “Tudo bem ser gay, mas o faça dentro de 4 paredes”. Não à toa, LGBTQ+ eram colocados em manicômios e hospícios para que pudessem ser “tratados” enquanto a homossexualidade era entendida pelo DSM enquanto doença. Alguns, infelizmente, ainda pensam que é. A patologização das identidades e o estigma ressoam em pleno século XXI.

Como consequência dessa história, dentre outras considerações também, temos reflexo da falta de Políticas Públicas e profissionais capacitados em especificidades para lidar com sexualidade humana e saúde LGBTQ+. A Psicologia com sua ética e disposição de olhar e posicionamento Político (isso não tem a ver com questões partidárias) dispõe de materiais e resoluções que são avanços e podem contribuir para um melhor entendimento de como assistir e escutar sujeitos LGBTQ+. Contudo, a Psicologia ainda precisa ir além. A Psicanálise precisa ir além. E todas as outras profissões precisam também. 

 

17 de maio: Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia

11 maio, 2022


No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) fazendo com que esta não fosse mais considerada uma questão patológica. Por isso, 17 de maio ficou conhecido como o Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia.

Essa data simboliza um marco histórico produto de luta de categorias em busca de respeito e direitos para uma maior conscientização frente à comunidade LGBTQ+. Dessa maneira, é preciso entender que ESSA DATA NÃO É UM CONVITE para se refletir e se posicionar diante das diversas discriminações e efeitos que a LGBTfobia implica na vida dos sujeitos. ELA É UMA CONVOCAÇÃO! Ela nos convoca para nos havermos com o preconceito, com as causas e consequências de uma sociedade que se estrutura para eliminar a diversidade.

E não nos esqueçamos que falar sobre Interseccionalidades frente às questões da comunidade LGBTQ+ também é de extrema importância. Que possamos ser cada vez mais justos com os recortes que precisam ser feitos dentro da própria comunidade LGBTQ+ para que haja possibilidade de atenção frente às especificidades das diferentes populações.

Que tenhamos sensibilidade para entender essas especificidades, e que elas não separem o grupo, mas o una com o entendimento de que existem não só sofrimentos causados de maneira geral à comunidade LGBTQ+, mas que também existem intrasofrimentos que surgem da própria comunidade para com ela mesma e sofrimentos externos muito específicos. Que tenhamos amparo da academia e das pesquisas para que possamos produzir conhecimento científico de qualidade e atender as demandas das populações. Que possamos produzir conhecimento que não seja apenas cisheterobrancocentrado e pautado em normatividades. 

A psicologia enquanto profissão regida por uma ética e pela necessidade de se haver de forma política diante dos seus fazeres deve reafirmar seu compromisso com o ser humano em suas diversidades sexuais e de gênero, tão plurais. Ressalto as resoluções do CFP nº 01/1999 e a nº 01/2018 como marcos importantes da categoria frente a conduta diante do público LGBTQ+ e ressalvo que precisamos ir cada vez mais além para oferecer acolhimento e assistência psicológica de qualidade em saúde mental para essa comunidade. Ainda há muito pelo que lutar e para ser diferente, para que assim possamos sustentar as diferenças. Mas também, celebremos as conquistas. Viva! Vivemos!

 

Mães e função materna

11 maio, 2022


O sujeito não nasce pronto, ele vai se constituindo. Há nesse processo inserção dele no campo da linguagem, tornando-o um ser discursivo. A mãe, o Outro, é essencial para a organização e constituição psíquica. Transmite inicialmente desejo ao bebê, o funda na cadeia desejante.

Contudo, há o que chamamos de função materna. Isso faz com que o cuidado e elementos constituintes do Outro não se restrinjam ao aparato biológico do sujeito. Assim, ser mãe, desempenhar a função materna, não diz respeito exclusivamente de uma constituição de mulher biológica cis. Mas sim, de uma posição discursiva. É uma função necessária e primordial que não cabe apenas ao que pensamos como mãe real.

Dessa maneira, outros responsáveis pelo cuidado e manejo da dinâmica de desenvolvimento do bebê podem desempenhar a função materna e a maternagem, inclusive homens e indivíduos trans. O que dificulta em sua maioria esse processo são os estigmas sociais e o preconceito, pois não haverá prejuízos às crianças.

Há um Imaginário Sociocultural que impõe o equívoco de que as figuras parentais estão coladas ao sexo biológico dos sujeitos, estabelecendo assim a errônea compreensão de que apenas mulheres biológicas cisgêneros podem desempenhar a função materna e o mesmo, no sentido oposto, para a função paterna.

Por isso, e muito mais, é preciso ir além de uma compreensão hegemônica de família, mães e pais. Não há apenas famílias heterocentradas, normatizadas de um lugar tradicional. “[...] funções não dependem do sexo, gênero, orientação ou identidade sexual de quem vai exercê-la.” (VIEIRA, 2011).  

 

Menino brinca de boneca?

1 maio, 2022


As brincadeiras na infância trazem importantes reflexões sobre o processo de socialização, de desenvolvimento da sexualidade e papel de gênero, e da inserção da criança na cultura. Quando pensamos nos modelos de gênero, as crianças podem a partir dele, minimamente, reproduzir sua permanência, reelaborá-los ou romper com eles. Mas, como são e o que são esses modelos?

Há dentro desses modelos o que podemos chamar de papéis de gênero. Nossa sociedade foi construída e moldada conforme algumas crenças e estereótipos acerca do masculino e feminino. Nesse post não irei discutir sobre a construção dos processos de gênero, mas sim, refletir e problematizar os papéis de gênero atribuídos desde cedo às crianças de forma a adequá-las dentro de um espectro masculino ou feminino – o que acaba excluindo todas as outras possibilidades entre essas categorias e fora delas, além de cercear a subjetividade e autenticidade do sujeito frente a sua identidade.

Os papéis de gênero são aqueles atribuídos às categorias de masculino e feminino. Eles dinamizam as relações e dizem sobre o que um homem e uma mulher podem ou não fazer, sentir, pensar etc. Assim, pensa-se muito ainda nas máximas: “Homem não chora”; “Mulher tem que cuidar dos filhos e não trabalhar”; “Menino não usa maquiagem”; “Menina usa rosa”, etc.

A sociedade e a cultura vão colocar sobre as crianças essas tradições e crenças de comportamento. Torna-se muito importante que a criança ao entrar em contato com esses discursos tenha liberdade e um exame crítico frente às implicações impostas. Que ela possa desenvolver sua subjetividade e identidade de forma digna, respeitosa e livre. Não se trata de doutrinar ou estabelecer o que chamam de “Ideologia de gênero”, mas sim, mostrar que existem muitas possibilidades de ser e estar no mundo, se relacionar e sentir diante dele. E que não há “erro”, “pecado”, “doença”, “desrespeito”, em ser diferente, em ser diverso.

Ainda é muito difícil para a sociedade entender que a as crianças expressam e constituem uma sexualidade. E não só, mas também são desde cedo atravessadas por expectativas e diretrizes de gênero. Podemos falar em outro momento sobre a sexualidade infantil, uma contribuição que Freud trouxe há décadas e que ainda assusta muitos.

Não se trata então apenas de se questionar se meninos brincam de bonecas. Há muitos outros questionamentos que advêm justamente por conta de todo um sistema estrutural, machista, misógino, lgbtfóbico e violento que regula as expressões de gênero e sexualidade desde antes de nascermos. Os “Chá Revelação” são grandes exemplo disso.

Winnicott traz fantásticas contribuições sobre o brincar. Ele diz “É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem na sua liberdade de criação”, e completa: “é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)” (Winnicott, 1971/1975: 79-80 apud BELO; SCODELER, 2013).

Dessa maneira legitimar a expressão da criança frente a sua sexualidade e gênero no brincar, possibilita chances de um desenvolvimento mais autêntico e menos opressivo, permitindo liberdade frente ao ser e estar no mundo, de forma que o masculino e feminino não sejam as únicas possibilidades e não recaiam como estruturas rígidas diante do sujeito. E isso precisa ser olhado mesmo na mais tenra idade – eu diria que até mesmo antes do nascimento. 

 

Entre Cronos e Kairós: algumas reflexões sobre o tempo e os tempos na contemporaneidade

1 maio, 2022


Cronos e Kairós implicam diferentes temporalidades em nossas vidas. Cronos estabelece uma linha ordenada dos acontecimentos, desenvolve uma lógica – Cronologia. Ele é quem castra e se coloca como soberano. Ele homogeneíza a massa. Kairós, por outro lado, desenvolve a personificação do tempo subjetivo, aquele que não há lógica de controle, mas uma vivência da experiência.

Pensar essas diferentes temporalidades, recai sobre uma importante reflexão, ainda mais nesse período pandêmico no qual vivemos. É possível se perguntar como esses diferentes tempos que nos regem se dinamizam e, no final, questionar: o que é o tempo? Qual o tempo do tempo? O que fazemos com nosso tempo?

Ao lidarmos com o tempo subjetivo e o tempo social vamos nos desenvolvendo na arte da vida. Ambos envolvem diversos sentimentos, angústias, fantasias, medos, (in)certezas, etc. Isso porque a gênese do tempo do Eu difere do tempo do Outro. Assim, da mesma forma que podemos pensar que há desordem na ordem temporal, há também, ordem na desordem.

Em suma, a realidade subjetiva e a realidade social são inseparáveis e nos convocam à tentativa de (sobre)viver a essa balança temporal, que horas cede a um lado, horas a outro. É possível existir equilíbrio?

A temporalidade marca a existência e desenvolvimento do sujeito, por outro lado, a intemporalidade do inconsciente se faz presente. O que integra o tempo e os tempos é a cultura. O simbólico de um grupo. O que nos faz pensar: Quando o grupo adoece, o que acontece com o tempo? Na diversidade e unificação dos tempos, como fazemos laços? Uma sociedade doente faz laço?

Acredito que viver a realidade subjetiva e social, dinamizar Cronos e Kairós, em tempos líquidos e pandêmicos nos convoca a ressignificações e ao ato de redimensionar a temporalidade.  Afinal, quanto tempo (ainda) temos? 

 

Responsabilidade em Psicanálise

1 maio, 2022



Creio que ao falar desse assunto podemos caminhar para minimamente duas direções: pensar que o sujeito deve se responsabilizar por seu desejo e que o psicoterapeuta ou analista deve se responsabilizar eticamente.

A definição psicológica do termo responsabilidade implica um laço que une o sujeito a um ato desejante. Lacan então ressalta que “por nossa posição de sujeito, somos sempre responsáveis” (1966, p. 858). A ética da Psicanálise é então uma ética do desejo de “elucidar o inconsciente do qual você é sujeito” (LACAN, 2001, p. 199). Assim, a responsabilidade do sujeito o implica no processo civilizatório. 

Há, porém, um limiar que por vezes é muito próximo e tensiona os aspectos da responsabilidade e da culpa no sujeito, e há nessa interação muito da forma de como o terapeuta ou analista maneja e conduz suas sessões. A responsabilidade interliga-se com a transgressão ou obediência da lei. Com isso, implica-se lidar com as consequências e causalidades do desejo. Nesse processo o sentimento de culpa pode emergir, pois é constituinte do desenvolvimento subjetivo do eu.

A culpa surge mediante uma diferente face da angústia. “[...] o sentimento de culpa é engendrado pela ação que o Supereu exerce sobre o Eu, formando assim a consciência moral.” (PRUDENTE; DEBIUEX, 2017, p.258). Dessa forma, a culpa ocupa um espaço inconsciente na realidade psíquica que diz respeito sobre questões de caráter na vida.

Culpa e responsabilidade então emergem como processos de ordem intrapsíquica e ambiental. Envolvem o eu e o outro. Assim, a responsabilidade não acontece na via de uma mão só. E nela cabe-se a questão de, quando é convocada, tentar traduzir o que muitas vezes é intraduzível.

Quando pensamos na responsabilidade do analista, este é quem acaba se responsabilizando “pela escolha que faz da interpretação do sentido do discurso que lhe é dirigido, ou do que aprende da condição do sujeito falante” (HOFFMANN, 2005, p. 45). Dessa maneira, coloca-se em questão o lugar do analista frente à estrutura da ação analítica.

O analista aparece então como aquele quem dá suporte ao objeto a, mas não pretende contê-lo. “O analista não se autoriza senão por si mesmo... e por alguns outros” (RINALDI, 1997), assim, emerge uma responsabilidade ética que parte do próprio analista em conhecer sobre sua análise pessoal do inconsciente, pois a partir do momento que a demanda do analista entra em comunicação com a demanda do sujeito, não há mais ali um analista. 

 

Uma reflexão sobre a expectativa

1 maio, 2022



Viver sem expectativa é humanamente impossível, pois caso o fosse, o sujeito seria um morto-vivo. A expectativa é um chamado para a vida. Sem ela, o sujeito iria se conduzir à morte. Ao mesmo tempo que penso que expectativa possa ser considerada um esforço para se antecipar, creio que mais do que isso, seja esperança ou desejo de futuro.

As questões que perpassam a expectativa são o que podem fazê-la adoecer. Essa ótica de olhar para frente e esperar por algo, quando misturada a idealizações, fantasias, anseios, ou outros equívocos neuróticos, dos quais não se tem apropriação do sujeito, é o que talvez possa ser chamado de problema. Contudo sem esse problema na equação da vida, no enigma do sujeito, há vida? Há sujeito?

Prefiro pensar na expectativa como um motor propulsor que tem capacidade de nos fazer seguir. A grande questão da expectativa é a sua quebra e a necessidade do sujeito precisar se haver com isso. Na quebra, ao lidar com o real, Vossa Majestade o Bebê é frustrado, e se depara com a falta. Somos seres faltantes, mas não sabemos nos deparar com nossa falta.

Autoconhecer um pouco do que falta, dos equívocos neuróticos usados para se defender na vida, é o que a expectativa nos oportuna fazer. 

 

A estetização do homem gay

1 maio, 2022


Ao longo da história o corpo homossexual transitou entre diferentes representações, como o corpo abjeto, o corpo patológico e o corpo ilegal. Esse corpo acaba sendo construído e personificado na cultura diante dos contextos históricos e sociais enraizados pela normativa heterossexual, patriarcal e machista. Esse corpo que fala, grita e morre, evoca então, reflexões sobre os signos, discursos e dominações implicados e processos que o atravessam.

Há como estratégia de dominação e manutenção da hegemonia dispositivos estruturais em nossa sociedade. O corpo é perpassado por narrativas da ordem jurídica, religiosa e médica, sendo além disso, depositário e meio de expressões culturais e sociais. Controlar esse corpo, implica em estar dominando e comandando desejos, subjetividades e performances comportamentais.

Percebe-se então um condicionamento simbólico dos corpos, e aliado a isso está o fenômeno da experiência da estetização dos mesmos. Ou seja, há um processo que diz sobre a relação existente entre a identidade gay masculina e a estetização da vida. Segundo alguns autores, a forma como o corpo gay masculino foi construído e experienciado, tratou-se de uma estratégia de resistência. Resistência essa, frente à heterossexualidade dominante.

O corpo do homossexual era (e ainda é) visto como um retrato do feminino. Ou seja, o homem gay não é um homem ou não tão homem quanto um homem hétero. O feminino passa aqui como um lugar de desprezo, subalterno, e isso é extremamente intrínseco à forma como a mulher e a feminilidade sempre foram vistas e subjugadas diante da posição masculina.

Surge então, como resposta à dominação presente pelos discursos disciplinares das diversas estruturas sociais, um movimento por parte dos homens gays que visava encontrar uma forma de prazer estético, que em suma, é idealizado e objetivado. Criar essa experiência faria com que os homens gays pudessem sair da sombra imagética do que a heterossexualidade propunha. Isso abriu portas para novas expressões de subjetividade, mas não fez com que comportamentos da heterossexualidade deixassem de permear as relações entre homens gays.

Inicialmente, o processo de estetização configurou expressões de homens gays mais masculinos, o que foi de fato um ato político para a época. Isso fez emergir um movimento que hoje ainda se alavanca como um processo onde homens homossexuais vêm descobrindo a própria masculinidade, e como a experiência do feminino pode atravessar o ser homem. Por outro lado, trouxe concepções muito enrijecidas desse masculino, que são advindas da matriz heterossexual e da virilidade imposta.

A experiência da beleza dos homens gays começou então a partir de uma lógica em que era preciso se mostrar como diferente do que propunha a heteronormatividade, e que homens gays poderiam estar distanciados de características femininas, tão rechaçadas pelo meio. Começou então a se ter cada vez mais ideais sobre a beleza, e os sujeitos passaram a entender que por mais que sofressem, o homem gay deveria ser e permanecer belo. E o belo vai ser uma característica que incorpora o ideal de beleza frente ao homem como alguém que precisa ser extremamente viril e masculino. Dentro dessa dinâmica, os próprios homens heterossexuais começaram a buscar formas mais masculinizadas para se diferenciar dos homossexuais.

Percebam então, que o masculino mesmo na oportunidade de se reinventar foi se enrijecendo cada vez mais. Contudo, o homem contemporâneo está cansado de viver preso dentro dos ideais estéticos, subjetivos e comportamentais que foram impostos ao gênero masculino.

Aqui muitas questões e debates se entrelaçam: amor, sexualidade, gênero, estética e beleza, machismo, patriarcado, capitalismo, efeminofobia, elitismo, racismo, gordofobia, etc. Falar sobre a estetização do homem gay é de extrema importância, justamente porque fez/faz parte do processo de construção da identidade desse homem como o entendemos. Isso possibilita ressignificar essa concepção de homem e ampliar debates que possam gerar não uma beleza estética, mas uma ética da beleza dentro das relações. 


 

Psicanálise e cultura

23 abril, 2022


Penso ser de extremo equívoco a tentativa de desenvolver uma clínica psicanalítica que não se debruce pela cultura. Cujo sofrimento não seja atravessado e dimensionado por uma face sócio-político-cultural. A semiótica desses enigmas e questões convocam então a Psicanálise para uma clínica onde essa Teoria do Inconsciente dialoga com os fenômenos sociais.

Para inserir-se na cultura, no meio social, o sujeito precisa fazer uma renúncia. Uma renúncia que impede a plena satisfação pulsional. Dela nasce a possibilidade de uma vida social e civilizada, mas também, uma sensação inescapável de mal-estar. A libido passa a ser canalizada para fins não sexuais, e o curso de Eros é atravessado pela cultura.

Criam-se assim diversos mecanismos defensivos, ilusões e métodos para tornar essa renúncia suportável. Porém, há um resto que sempre inquietará a equação. A tentativa equívoca do sujeito é de evitar o desprazer. Entram em jogo o princípio do prazer e realidade, onde a energia psíquica se movimenta entre os âmbitos da satisfação e insatisfação. A cultura então entra como uma forma de mediação simbólica diante de uma questão que não pode ser superada: a falta.

Assim, a satisfação nunca será plena, pois esta quem experienciou apenas foi o pai da horda, mito que sustentou para Freud a explicação que se dá diante da necessidade de restrições à sexualidade e agressividade para se viver em civilização. O totem entra então como um instrumento regulador que proíbe as mesmas manifestações indesejáveis da horda primitiva.

A partir da dinâmica de dificuldade de renúncia imposta pela sociedade e o impulso para a satisfação, surge o sintoma neurótico como fruto das dificultosas negociações entre o eu e a cultura. Freud afirmou que a Psicologia individual é de início, social. Dessa maneira o sujeito é atravessado em seu aparelho psíquico por estruturas normativas do mundo em que habita.

 

A Teoria Queer

23 abril, 2022


Conforme a hegemonia heterossexual começou a ser contestada com maiores desdobramentos, uma vertente de pensamento passou a se disseminar na sociedade e na cultura. Foi chamada por Teresa de Lauretis em 1990 (MISKOLCI, 2014, p. 1) de Teoria Queer. A terminologia queer dava-se inicialmente para deslegitimar e violentar as identidades sexuais e sujeitos dissidentes da normativa de gênero. Abarca-se nessa Teoria amplas reflexões sobre a heteronormatividade e o quanto ela nos atravessa enquanto regime político-social-econômico e resulta em desigualdade e preconceitos.

Historicamente, junto às contestações de sexualidade e gênero, se dava a epidemia de Aids pelo fim dos anos 80. O acontecido reforçava justamente que o desejo e a expressão afetiva de homossexuais eram tidos como ameaça à sociedade. Assim, o queer, o abjeto, precisava ser eliminado. Os movimentos e a luta LGBTQ+ passam então a reposicionar e ressignificar a terminologia queer, sendo esse processo um ato político contra a injúria que a comunidade sofria/sofre.

As origens da Teoria Queer remetem então a um contexto permeado pelos movimentos feministas e LGBTQ+, e pelo período de despatologização da homossexualidade. Disseminou-se principalmente pelos países de língua inglesa, enquanto no Brasil, muito pouco é falado sobre o queer.

Uma das possíveis traduções do termo queer no português é a de estranho. Contudo, na contemporaneidade, a estranheza tem se dado também pelo viés de se questionar os dispositivos disciplinares e a estrutura normativa que circundam a sexualidade e o gênero, e não só pela observação do diferente na sociedade.

No Brasil, em meio a todo o processo de construção da Teoria Queer nos países de língua inglesa, vivia-se o período da redemocratização e da construção de um sistema de saúde universal. Olhava-se mais criticamente para a sexualidade e desenvolvia-se conhecimentos que ficaram conhecidos como o heterossexismo, a heteronormatividade e a matriz heterossexual.

Diferente dos Estados Unidos, a Teoria Queer chegou aos brasileiros enquanto conhecimento universitário e não por um movimento político advindo de atos sociais. Além disso, no Brasil visou-se muito a aplicação de conceitos do queer, e não um tensionamento que pudesse ressignificar o que se propunha e adaptar para a realidade e cultura brasileira (o que aos poucos vem mudando).

É preciso ressaltar que ainda há na academia e pesquisa, intuitos biopolíticos que visam moldar o conhecimento acerca da sexualidade e gênero. E pensando em Psicanálise e Teoria Queer ainda há muitos desafios e enigmas para entrelaçar os conteúdos. O que não significa que já não existam contribuições. A tendência inclusive é que estas cresçam. Contudo, muitos psicanalistas se quer sabem sobre a existência do termo queer.

 

Algumas considerações sobre a análise

23 abril, 2022


O sujeito consegue ter acesso ao desconhecido por meio da linguagem, contudo o tempo que ele leva para conseguir escutar o que diz sobre os sentidos do que enuncia é muito singular. As palavras conseguem desvelar e velar conteúdos do sujeito. Podem provocar uma catarse e aos poucos o discurso vai sendo construído por meio da associação livre.

Nesse diálogo, há tanto uma relação com um eu interno como também com um outro externo. Vale ressaltar, porém, que há conteúdos dos quais o indivíduo nunca conseguirá produzir sentido ou consciência, e isso faz parte para que haja manutenção da vida psíquica. Isso o insere enquanto Ser Humano.

O analisando muitas vezes chega em análise contando sobre demandas de um desejo que lhe causam sofrimento. Nem sempre a demanda se elucida logo em uma primeira sessão, ou em anos de análise, mas o analista entende que na comunicação há um desejo e necessidade de escuta que são postos.

Através da linguagem o sujeito vai construindo mensagens cifradas, muitas vezes encobertas por padrões de adaptação moral e costumes da cultura, e aos poucos um enigma vai sendo montado. A escuta da Psicologia e da Psicanálise entram nessa esfera como uma tentativa de entender o enigma de determinado sofrimento ou questionamentos. É posto sobre a relação analítica um equívoco do Eu por parte do analisando ao analista.

O analista em análise abre mão do seu lugar enquanto Sujeito para que o analisando consiga pintá-lo, quase como uma tela em branco, configurando a posição discursiva deste. O que aparece toda hora, sem aparecer? O que se diz, mas que não se escuta? Essas são perguntas que cabem em uma análise. O profissional se abre à singularidade desse outro que diz sobre a dimensão de seu sofrimento ou da sua angústia.

A Psicanálise é então um convite ao sujeito para que ele fale sobre si e se escute, e essa escuta se dá diante daquilo que se escapa. 

 

A Psicanálise

23 abril, 2022


Conforme a vida e desenvolvimento dos sujeitos se dá, nos aspectos social, cultural, histórico, político e econômico, surgem como produtos desses contextos teorias científicas. Assim, Freud foi um grande nome na área da ciência, garantindo ao mundo a produção de um saber que ao longo dos tempos foi sempre muito criticado: a Psicanálise.

Nesse saber o que está em jogo é a dinâmica da vida psíquica e seus impactos no sujeito e mundo. Freud investiga então sistematicamente processos psíquicos de uma ordem a qual ele nomeou como inconsciente. O inconsciente que diz sobre si por meio de fantasias, sonhos, atos falhos, chistes, esquecimentos e dentre outras manifestações.

A Psicanálise abarca então uma teoria, um método científico e uma prática. Teoria, no sentido que engloba um conjunto de conhecimentos sistematizados acerca do psiquismo. Método científico, à medida que investiga o inconsciente por meio da interpretação, que busca o latente por meio do manifesto. Já a análise, que corresponde à prática, é o campo que se estabelece um vínculo terapêutico que se objetiva por uma busca de autoconhecimento ou o tratamento de uma demanda.

Freud passou por diversos momentos ao longo de sua jornada para constituir um saber psicanalítico. Desde a hipnose, ao método catártico, nomeação do inconsciente, as tópicas freudianas, dentre outros, o Psicanalista foi significando e ressignificando sua teoria. Percebeu que a associação livre, o fluir da fala desordenada do sujeito, dizia muito mais sobre o que era realmente dito.

Descobriu com suas observações e prática, que havia uma força psíquica muito potente que conseguia se opor a tomada de consciência de determinados conteúdos. Nomeou-a de resistência. Já o processo psíquico que visa encobrir tais conteúdos, chamou de repressão.

Entendeu, que esses processos são importantes para manter o equilíbrio da vida psíquica, contudo, observou também que nessa dinâmica certas ideias e representações, singulares à vida de cada sujeito, precisam desaparecer da consciência, pois foram dolorosas e insuportáveis demais para naquele momento o sujeito se haver. A “casa” desses conteúdos, é justamente o inconsciente.

Não podemos nos enganar, porém, e dizer que o inconsciente é uma estrutura que abarca apenas o penoso para o sujeito, de forma a necessariamente afirmar que determinado conteúdo é “ruim”. Há nele também perdas, faltas, conteúdos que foram fortemente desejados e precisaram ser reprimidos. Afinal, para garantir a vida em sociedade, o sujeito precisa abdicar de certos desejos e instintos, e fazer a manutenção de seu aparelho psíquico por meio de mecanismos de defesa para suportar a realidade. Assim, cada um vive o que é possível, o seu possível. 

 

Sobre Mim - Victor Hugo Artuso de Andrade

23 abril, 2022


Olá! Meu nome é Victor Hugo Artuso de Andrade e sou psicólogo formado pelo Centro Universitário São Camilo no ano de 2020 no estado de São Paulo e sexólogo formado pelo Instituto Paulista de Sexualidade no ano de 2022.

A tentativa de compreender o ser humano sempre foi algo que me atravessou. A complexidade da vida, das emoções e comportamentos, junto de demandas pessoais, levou-me então a ter o interesse e desejo por construir um conhecimento sobre a psique humana.

A abordagem com qual trabalho em atendimentos é a Psicanálise e meu foco de estudos perpassa pelas questões de sexualidade, gênero, amor e relacionamentos, masculinidades e Teoria Queer, principalmente voltadas para as especificidades da comunidade LGBTQ+. Vale dizer, entretanto, que não atendo pacientes que são atravessados apenas por essas questões.

Meu maior objetivo aqui é construir um espaço junto com vocês, que estão me dando a oportunidade de iniciar um diálogo, onde possamos refletir sobre alguns temas que surgem das minhas áreas de estudo. O que não impede que conteúdos de outros contextos, além dos que já citei, também possam aparecer.

Posiciono o trabalho do psicólogo, o meu trabalho, como um lugar de prestação de escuta e assistência em saúde atravessado de modo ético e político - e Política aqui não tem a ver com questões partidárias, mas sim, como compreensão de um agir no mundo-, considerando a diversidade e singularidade de cada sujeito.

Deixo então meu convite para nossos encontros virtuais e meu muito obrigado por me acompanharem. Inclusive, se quiserem me acompanhar no Instagram (Psiqueersmo) para ver mais conteúdos é só clicar no link citado.

Até mais!


 

Apresentação Psiqueersmo

23 abril, 2022

A Fênix é construída sobre um discurso mítico e comumente representada por uma ave de grande porte e de rara beleza. Tem cauda longa, plumas coloridas e esboça seu trinado melodicamente. Das cores que se destacam, muitos a associam ao vermelho, cor que carrega simbologia de fogo, amor, ritos e o Sol. É um animal construído sobre diversas perspectivas e olhares desde a cultura Ocidental a Oriental.

Sua simbologia é vasta, assim, outro processo que lhe concedem é o do renascimento e eternidade. Há através do fogo o renascimento por meio das cinzas. A Fênix, torna-se então símbolo de restauração e imortalidade.

Alguns também a consideram como fonte de singularidade, como meio que luta por paz, cura, altruísmo e construção de uma fortaleza. É arquetípica. Nascida de si e regenerada. Significada e ressignificada. Símbolo que evoca o que precisa transformar-se para a vida. E o Psiqueersmo é um convite para a vida! Que possamos construir juntos um espaço de conhecimento e de possibilidades. Que a Fênix permeie nossos caminhos.

Bem-Vindos! Bem-Vindas! Bem-Vindes!